Minerva
e Aracne
Aracne era uma bela moça, filha
de um tintureiro de lã, na cidade de Colonon. Sendo filha de quem era, desde
cedo acostumar-se a bordar e tecer, revelando um talento inato para essa arte.
À medida que Aracne foi tornando-se adulta, sua arte também mais e mais se
aperfeiçoava, de tal sorte que logo seus trabalhos eram disputados por todas as
mulheres da cidade. Senhoras de outras localidades também ocorriam, sem se
importar com a distância, desde que pudessem levar para casa algum trabalho
saído das mãos da extraordinária artesã.
– Bordado é o da Aracne, o resto
é bobagem – diziam as moças, que saíam da casa da talentosa jovem com suas
peças estendidas, admirando à luz do sol o tom diversamente colorido dos
bordados e das tramas.
De tal forma a fama de Aracne
cresceu, que mesmo as ninfas dos rios e lagos próximos deixavam as águas para
admirar os trabalhos de Aracne.
Um dia, Diana, que ficara
sabendo do assunto pelas ninfas, levou-o ao conhecimento de Minerva.
– Minerva, acho que finalmente
você encontrou uma rival à altura – disse Diana, com um tom de ironia.
Ora, deuses e deusas não
suportam que lhes falem nesse tom, ainda mais quando um de seus atributos é
posto em dúvida. A deusa, considerada a protetora das obreiras e dos artesãos,
não admitia que uma reles mortal pudesse sequer emparelhar com suas obras,
respeitadas em todo o Olimpo.
– Quem é mesmo essa fulana? –
disse Minerva, com a voz repassada de inveja.
– Aracne é o seu nome – disse
Diana, que sob o pretexto de fazer um favor saboreava, na verdade, o despeito
da outra.
No mesmo dia Minerva decidiu
apresentar-se diante da rival e ver se realmente ela era tudo aquilo que
afirmava. Metamorfoseando-se numa velha, a deusa rumou para o país onde vivia
Aracne. Quando lá chegou, encontrou a artesã sentada à beira de um regato,
cercada por um exército de ninfas, que deitadas sobre a relva admiravam o seu
magnífico trabalho.
– Bom dia, minha jovem! – disse,
aproximando-se.
– Bom dia, minha senhora – disse
Aracne, sem desviar os olhos de seu imenso bordado.
“Ela é boa artesã, mesmo,
desgraçada!”, pensou a velhota e disse:
– Que belo trabalho está fazendo!
– exclamou Minerva, apoiada a seu bordão, cujo elogio fingido escondia uma
secreta admiração.
– É o que todos dizem – falou
Aracne, com um ar de presunção que irritou Minerva.
– Mas, convém agradecer sempre a
Minerva este dom recebido – disse a velha.
– Ora, e que méritos eu teria se
devo exclusivamente a ela meu talento? – disse Aracne. – Ela que cuide de seus
bordados que eu cuido dos meus.
Um sussurro de espanto correu
por entre as ninfas.
– Oh, não diga isto! – disse a
velha, escandalizada. – Não percebe que é uma ingratidão sem tamanho?
– Vovó, por favor, me deixe
trabalhar em paz – disse a jovem, pondo um fim na conversa.
– É esta, então a ideia que tem
de mim, atrevida? Disse Minerva, desfazendo-se do disfarce e surgindo em todo o
seu esplendor diante da tecelã e das ninfas, que recuaram, entre assustadas e
reverentes.
Aracne, contudo, não demonstrou
grande impressão e prosseguiu bordar, como nada houvesse acontecido.
– Olhe para mim, sua
mal-agradecida! – bradou Minerva.
– Estou trabalhando, não está
vendo? – disse Aracne, com maus modos.
–- Proponho, então, um desafio!
– disse Minerva, certa de que a vitória seria sua.
– Diga lá! – respondeu a moça,
que não queria outra coisa senão medir-se com a própria deusa dos trabalhos
manuais.
– Vamos, ninfas ociosas, tragam
toda lã que puderem encontrar e a depositem aqui, em partes iguais, a nossos
pés – ordenou Minerva.
As duas mostravam-se
extremamente arrogantes. Não se podia saber qual seria a vencedora daquele
empolgante confronto. Ao sinal da deusa, as duas começaram a trabalhar. Os
dedos ágeis desfiavam a lã e a colocavam rapidamente sob os pentes de tear que
tinham à frente. Os fios deslizavam, esticados ao máximo, parecendo as cordas
afinadas de um piano. Nem bem saíram da máquina e dedos os capturavam,
comprimindo-os sob as agulhas douradas.
Cada qual tinha aos joelhos uma
grande tela, na qual deveriam bordar um grande tapete figurativo. Minerva
escolhera fazer o retrato de uma disputa que tivera com Neturno, enquanto
Aracne bordava magistralmente a cena do rapto de Europa por Júpiter.
Aos poucos as figuras ganhavam
forma nas armações quadradas que cada qual tinha diante de si. Os fios de
diversas cores passavam pelos dedos das mulheres como os fios que tecem os arco-íris, misturando-se
numa mesma maçaroca, mas saindo separados e uniformes sobre a tela.
– Veja, a tela da Minerva está
mais bela – dizia uma ninfa, observando o trabalho da deusa, que começava a
ganhar forma diante dos olhos de todas.
De fato, o mar, os peixes, o deus
Netuno com seu tridente, tudo parecia adquirir vida própria, enquanto os dedos
finos da deusa tramavam agilmente as linhas de diversas cores.
– Não, o de Aracne é mais belo –
disse outra ninfa, abaixando o tom de voz para não ofender a deusa.
O tapete de Aracne, com efeito,
não ficava a dever nada ao seu rival em matéria de cor, beleza e vivacidade.
Todas podiam ver aos poucos o alvo touro que raptara Europa ganhar forma sob as
costuras. O alvo fio ia desenhando o contorno da bela jovem com tal perfeição
que ela parecia estar viva e prestes a sair do tapete: seus pés erguiam-se a
poucos centímetros da água de um anil perfeito, por sobre a qual era levada
pelo animal.
À medida que as duas finalizavam
o trabalho, a ansiedade e a expectativa das ninfas tornavam-se quase
insuportáveis.
De repente, Minerva pôs-se em
pé, com um grito de triufo:
– Pronto, amadora, apresente
também o seu trabalho!
Aracne, dando o último nó em seu
bordado, ergue-o desafiadoramente.
–
Que as ninfas julguem com imparcialidade! – disse, encarando a rival. Enquanto
o estudava, procurava com ele ocultar o próprio rosto, a fim de que as demais
não vissem a admiração estampada na sua face. “Maldita! Seu trabalho, tenho que
reconhecer, é levemente superior ao meu!”, pensou a deusa.
Temendo, porém, que as
julgadoras m à mesma conclusão, Minerva perdeu a cabeça e fez em pedaços o belo
tapete, mostrando que não admitiria sofrer uma humilhação.
– Oh, como você é cruel e
injusta! – disse Aracne, tomada pela ira.
Em seguida, rasgou também o
trabalho da rival, sapateando em cima.
– Veja o que restou de seu
horrível bordado – disse, arreganhando os dentes para a deusa.
Isto foi demais para a paciência
de Minerva, que não podia admitir tamanha afronta de uma reles mortal. Erguendo
sua mão sobre a cabeça de Aracne, rogou-lhe uma praga terrível. A moça que
ainda estava sob o efeito da cólera, não sentiu que a princípio que seu corpo
encolhia até transformar-se numa bola negra. Depois, de seus flancos saíram
várias pernas cabeludas, o que encheu de horror as ninfas, que se lançaram à
água, temerosas de que a deusa resolvesse puni-las também.
Tomando em suas mãos a asquerosa
criatura, Minerva pendurou-a em um galho.
– Veja, aí está o prêmio da
arrogância! – disse a deusa, com uma risada de escárnio.
Já ia dando as costas para se
retirar, quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a
criatura negra movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando
um manto com uma seda extremamente fina que retirava do seu dorso abaulado. Aos
poucos Minerva viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado circular,
que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne, mesmo sob aquela
odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa com seus diversos braços.
Minerva, reconhecendo-se
finalmente derrotada, partiu correndo do maldito bosque.
FANCHINI, A,S; SEGANFREDO, Camem. “Minerva e Aracne”. In: As 100 Melhores Histórias da Mitologia:
Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana. 9 ed. Porto
Alegre: Artes e Ofícios, 2007, p. 166 – 169.
1. Sublinhe
os adjetivos do trecho a seguir. Como eles justificam as atitudes de Minerva?
“Aracne
era uma bela moça, filha de um tintureiro de lã, na cidade de Colonon. Sendo
filha de quem era, desde cedo acostumara-se a bordar e tecer, revelando um
talento inato para essa arte. À medida que Aracne foi tornando-se adulta, sua
arte também mais e mais se aperfeiçoava, de tal sorte que logo seus trabalhos
eram disputados por todas as mulheres da cidade. Senhoras de outra localidades
também acorriam, sem se importar com a distância, desde que pudessem levar para
casa algum trabalho saído das mãos da extraordinária artesã
- Bordado é o da Aracne, o resto
é bobagem – diziam as moças, que saíam da casa da talentosa jovem com suas
peças estendidas (...)”
2. Sob a
forma de uma senhora , Minerva se
apresenta à jovem tecelã Aracne. Por que teria escolhido a deusa esta forma?
3. Em que criatura Minerva transformou
Aracne? Retire uma passagem do texto para confirmar sua reposta.
4. O mito Minerva e Aracne pertence ao universo do maravilhoso. O maravilhoso
compreende tudo aquilo que não podemos explicar racionalmente. Que elementos no
mito correspondem ao maravilhoso?
5. Há alguma relação entre o trabalho
de Aracne com o animal em que foi transformada? Explique.
6. Minerva fica feliz quando transforma
Aracne no animal. Ela fica feliz até o final da história? Por quê? Retire uma
passagem do texto que comprova sua informação.
7. Uma boa interpretação do texto
ocorre quando observamos a que ou a quem os pronomes estão se referindo. Então,
observe o trecho abaixo e responda a que termos os pronomes se referem.
“Já ia dando as costas para se retirar,
quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a criatura negra
movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando um
manto com uma seda extremamente fina que retirava do seu dorso abaulado.
Aos poucos Minerva viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado
circular, que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne,
mesmo sob aquela odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa com seus
diversos braços.
8. Identifique a referência dos
pronomes possessivos no trecho. Depois, reescreva o trecho, utilizando a forma
coloquial dos pronomes possessivos.
“Ora, deuses e deusas não suportam que
lhes falem nesse tom, ainda mais quando um de seus atributos é posto em
dúvida. A deusa, considerada a protetora das obreiras e dos artesões, não
admitia que uma reles mortal pudesse sequer emparelhar com suas obras,
respeitadas em todo o Olimpo.”
9. Os pronomes indicam a posição dos seres no discurso.
Observe os pronomes a seguir e diga a quem eles se referem. Note que a
referência pode estar ou não explícita na superfície do texto.
a) “Isto foi demais para a
paciência de Minerva, que não podias admitir tamanha afronta de uma reles
mortal.”
b) “- Mas convém agradecer sempre a Minerva este dom
recebido – disse a velha”.
c) “Sendo filha de quem era, desde cedo acostumara-se a
bordar e tecer, revelando um talento inato para essa arte.”
10. Primeiramente, Aracne utiliza o
pronome senhora ao se dirigir a Minerva, depois utiliza o pronome você.
Explique o porquê dessa mudança.
“- Bom
dia, minha senhora.”
“Oh, como
você é cruel e injusta.”
11. O
narrador chama a atenção para o fato de que os deuses e as deusas não gostam
quando as ninfas se referem a eles com intimidade e ironia: “Ora, deuses e
deusas não suportam que lhes falem nesse tom”.
a)
Explique por quê.
b)
Reescreva a frase a seguir comparando a Deusa Minerva a uma rainha. Utilize o
pronome de tratamento.
“Minerva,
acho que finalmente você encontrou uma rival à altura.”
12. Antes de existir escola, a
sociedade contava os mitos para refletir sobre a vida e a cultura. A partir
dessa afirmação, qual a mensagem que o mito “Minerva e Aracne” quer ensinar?
13. Antes da ciência, as explicações se
baseavam na superstição e no medo. Os mitos, as lendas, a religião e o folclore
tentavam explicar coisas difíceis de entender, como os terremotos, a criação do
mundo, o nascimento dos animais, o Sol e a morte. A partir do trecho, o que
mito “Minerva e Aracne” tenta explicar?
14. Reescreva a frase a seguir de modo
que a primeira oração expresse: (a) hipótese mais provável e (b) hipótese menos
provável. Faça as adaptações necessárias.
“Quando
lá chegou, encontrou a artesã sentada à beira de um regato.”
15. Complete a frase a seguir substituindo
as palavras sublinhadas por um adjetivo.
“O tapete
de Aracne, com efeito, não ficava nada a dever ao da sua rival em matéria de
cor, beleza e vivacidade.”
O tapete de Aracne, com efeito, não
ficava nada a dever ao da sua rival: era _______________________, _______________________ e
______________________.
16. Observe o trecho a seguir e
transforme o discurso direto em discurso indireto.
“-
Minerva, acho que finalmente você encontrou uma rival à altura – disse Diana,
com um tom de ironia.
Ora,
deuses e deusas não suportam que lhe falem nesse tom, ainda mais quando um de
seus atributos é posto em dúvida. A deusa, considerada a protetora das obreiras
e dos artesões, não admitia que uma reles mortal pudesse sequer emparelhar com
as suas obras, respeitadas em todo o Olimpo.
- Quem é
mesmo essa fulana? – disse Minerva, com voz repassada de inveja.
- Aracne
é o seu nome – disse Diana, que sob o pretexto de fazer um favor saboreava, na
verdade, o despeito da outra.”
17. Observe nas frases abaixo que os
pronomes possessivos sublinhados são os mesmos, mas há uma diferença no seu
emprego em relação à referência.
“À medida que Aracne foi tornando-se
adulta, sua arte também mais e mais se aperfeiçoava, de tal sorte que logo seus
trabalhos eram disputados por todas as mulheres da cidade.”
“ – Pronto, amadora, apresente também o
seu trabalho.”
a) Justifique essa afirmativa.
b) Na segunda frase, o pronome poderia
ser substituído por outro? Essa substituição pode acontecer em qualquer
contexto? Justifique.
18. Explique a diferença de sentido que
há entre os pares de frases abaixo:
“Vamos,
ninfas ociosas, tragam toda lã que encontrarem.”
“Vamos,
ninfas ociosas, tragam toda a lã que encontrarem”.
19. Observe o trecho abaixo e substitua o nome Aracne pelos
pronomes pessoais do caso reto. Observe as transformações que podem ocorrem no
restante do trecho.
“À medida que Aracne foi tornando-se
adulta, sua arte também mais e mais se aperfeiçoava, de tal sorte que logo seus
trabalhos eram disputados por todas as mulheres da cidade.”
a) À medida que eu
_____________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
b) À medida que tu
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
c) À medida que nós
______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
d) À medida que eles
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
20. O pronome sublinhado abaixo
apresenta dupla possibilidade de referência, embora o contexto nos esclareça
seu sentido.
“- Bordado é o da Aracne, o resto é
bobagem – diziam as moças, que saíam da casa da talentosa jovem com suas peças
estendidas (...)”
(a) Explicite essa dupla referência.
(b) Como poderíamos evitar a
ambiguidade?