terça-feira, 10 de abril de 2012

O menino e o sinal (Georgina Martins)

O menininho desta história também era um desses meninos que vivem pelas ruas, só que eu não oencontrei na livraria. Acho que ele nunca havia entrado em uma. Era tão magrinho e raquítico quanto ooutro e, muito provavelmente, tão sem casa e sem mãe quanto. 

Certamente ele nem sabia ler. Pelo seu jeitinho pude perceber que não era livro o que ele queria.

Era bem miudinho, quase não dava para enxergá-lo de dentro de um carro, e isso era um tantoperigoso, pois ele, pelo que pude perceber, era um freqüentador assíduo dos sinais de trânsito, tamanha eraa sua agilidade para se desviar dos carros que avançavam o sinal. Mas mesmo assim eu achava perigosopara um menininho daquele tamanho viver entre os carros. Não sei o que você pensa sobre isso, mas paramim sinal de trânsito não é o melhor lugar para crianças ficarem. 
 
Acho que, naquela noite de inverno, eu já pensava nessas coisas quando, ao fechar o sinal, percebiaquela coisinha miúda, com um pedaço de caco de vidro na mão, bem junto da janela do meu carro, comuma cara muito brava e uma voz que era um fiapo, de tão fininha: 
 
- Moça, passa o dinheiro e o relógio, senão eu vou de cortar! 
 
Imagine você o susto que eu levei! Olhei para o lado e fiquei sem entender direito como ummenininho daquele tamanho conseguiria me fazer mal. 
 
Mas pareceu-me que ele estava falando sério: 
 
- Anda logo, eu não tô brincando! 
 
Naquela hora eu me lembrei dos meus filhos, tão pequeninos quanto ele e, às vezes, tão malcriadosquanto. O molequinho era muito atrevido. Merecia umas boas de umas palmadas e depois uma camaquentinha para consolar suas lágrimas. Era o que minha mãe me dizia depois de um chega pra lá: “Váchorar na cama que é lugar quente!” 
 
Mais que tudo, na verdade, acho que ele precisava mesmo era uma boa cama, bem quentinha, paraembalar não só as suas lágrimas, mas principalmente os sonhos dos seus... sei lá, cinco anos de idade. 
 
Olhei para aquele menininho com uma cara bem séria, acho que do mesmo jeito que olho para ospequenininhos lá de casa quando estão fazendo besteira, e falei rispidamente: - Fique calmo, vou te dar meu relógio e o dinheiro. Não precisa ficar nervoso. 
 
Devo confessar que eu estava com muito medo, não sei se do menino ou se de arrancar com ocarro e machucar o braço dele. 
 
Ele me olhou e, com os olhos brilhando, quase feliz, me disse:- Então não vou te cortar mais não tá, tia?!
  
  Dei a ele o relógio, uma nota de dez reais e, quando o sinal abriu, arranquei com o carro depressa.Já estava longe dele, mas ainda podia ouvi-lo repetir:

 - Então não vou te cortar mais não, tá?!

 Parecia os pequenininhos lá de casa quando tentam me fazer desistir de puní-los por causa de suastravessuras: “Então não faço mais isso não, tá? Não vou chorar mais não, tá? Não vou mais bater nomaninho não, tá?” 

Acho que naquela hora, se eu convidasse, ele aceitaria comer uma pizza.Georgina Martins.
 
No olho da rua – historinhas quase     tristes
Editora Ática, 2004.