1. COMO NASCERAM AS ESTRELAS (Mito indígena da tribo dos Bororós)
Existem muitos mitos
sul-americanos que falam da maneira como as estrelas encheram o céu. Este mito,
contado pela tribo dos Bororós, começa com uma manhã, tranquila e igual a
muitas outras, passada numa povoação.
Os homens da aldeia tinham
partido para a caça, de modo que as mulheres pegaram nos seus cestos e foram
colher milho para fazer tortilhas. O pior é que encontraram muito poucas
maçarocas.
- Que safra tão pobre - comentou
uma delas. - Passei a manhã toda à procura e tenho o meu cesto quase vazio.
- Vamos pedir ao pequenito -
sugeriu uma idosa. - Ele tem muito jeito para encontrar as maçarocas... ainda
não percebi como consegue. É tão miudinho e o milho cresce tão alto, mas o
certo é que consegue dar com as maçarocas!
E foi assim que uma das mulheres
voltou à aldeia para chamar o pequenito. Encontrou-o junto da avó, que tentava
ensinar algumas palavras novas à arara de estimação. São aves espertas, que
conseguem aprender a dizer todo o tipo de palavras.
- O pequenito pode ir conosco
para nos ajudar a encontrar maçarocas? - perguntou a mulher à avó do rapaz.
- Claro que sim - replicou a
avó. - Vá, pequenito, toca a andar. O pequenito acompanhou a mulher até ao
milharal.
- Vê o que consegues encontrar -
incitou-o ela.
Como já era de imaginar e tal
como a velha previra, o pequenito foi achando maçaroca atrás de maçaroca, até
os cestos das mulheres ficarem a abarrotar.
Estas sentaram-se então numa
clareira, a tirar o milho das maçarocas. Depois arranjaram umas pedras lisas,
com as quais esmagaram os bagos até os reduzirem a farinha.
- Assim teremos muitos bolos e
tortilhas para dar aos nossos maridos quando eles voltarem da caçada - observou
a velha. - Ficarão todos contentes!
O pequenito, porém, sempre que
apanhava uma delas distraída, roubava um pouco de farinha para si, escondendo-a
dentro do interior oco de talos de bambu.
«Claro que isto não é roubar»,
disse de si para si. «Como fui eu quem encontrou a maioria das maçarocas de que
esta farinha foi feita, tenho todo o direito de ficar com um bom bocado.»
Não tardou que o rapazito
juntasse uma quantidade suficiente para fazer uma festa. Pegou nos paus de
bambu e voltou para junto da avó, que ficara na aldeia a tomar conta das crianças.
- Avó! Avó! - exclamou. - Quero
dar uma festa para todos os meus amigos... Aqui tem a farinha para os bolos.
Importa-se de os fazer?
Sacudiu a farinha que trazia
dentro dos paus de bambu, juntando uma boa quantidade num monte.
A avó esbugalhou os olhos de
surpresa.
- Onde é que arranjaste toda
esta farinha, pequenito? - perguntou, espantada.
«Pequenito», cantarolou a arara,
imitando-a.
- A avó sabe que eu fui apanhar
maçarocas com as mulheres - respondeu o menino. -Ajudei-as a encontrar tantas que
me disseram que já tinham farinha que chegasse para os homens.
- Portanto resolveste roubar
esta, não foi? - perguntou-lhe a avó.
- Claro que não - mentiu o
rapaz. - Elas é que me disseram para tirar a que fosse capaz de carregar.
«Carregar», guinchou a avó. A
avó franziu o sobrolho mas, logo a seguir, o seu rosto abriu-se num sorriso.
- Acredito em ti - disse,
deitando mãos ao trabalho na preparação dos bolos.
Não tardou que a casa da avó se
enchesse com o odor delicioso dos bolos acabados de cozer... e a abarrotar de
crianças, pois o pequenito convidara todos os amigos para a festa.
A avó do rapaz ficou sentada a
um canto, juntamente com a arara de estimação, a ver a miudagem a encher a
barriga de bolos. Começava a duvidar de que o pequenito tivesse contado a
verdade. Se calhar o neto não recebera a farinha mas, sim, roubara-a.
- Será que o meu pequenito é um
ladrão? - murmurou. A arara ouviu a palavra «ladrão» e repetiu-a.
«Ladrão!», guinchou. Como achou
a palavra agradável de pronunciar, continuou a repeti-la: «Ladrão! Ladrão!» As crianças
calaram-se.
- Não quero que aquele pássaro
maluco nos denuncie - disse o pequenito. «Ladrão!», gritou
a arara.
Sem parar para pensar no que
estava a fazer, o rapaz agarrou na ave e cortou-lhe a língua. Alguns contam que depois chegou
a fazer o mesmo à avó, para se certificar do seu silêncio. No entanto, é provável que a avó
tenha ficado suficientemente assustada com o que acontecera à sua pobre ave
para não dar com a língua nos dentes.
A maldade estava consumada. Não
havia como voltar atrás. Então, como muitas vezes acontece, as coisas más não
ficaram por ali. As crianças, com a barriga cheia como há muito não acontecia,
saíram de casa atrás do pequenito e foram soltar todas as outras araras de
estimação da aldeia.
Foi então que, com a mesma
certeza e lentidão com que o Sol nasce pela manhã, o pequenito começou a
aperceber-se das maldades terríveis que cometera. Cortara a língua a uma ave,
roubara farinha, assustara a avó... o que viria a seguir? Tinham de fugir, as crianças
precisavam de se pôr a salvo antes que os pais descobrissem o que haviam feito!
Contudo, para onde poderiam
escapulir-se sem serem descobertas pelos adultos?
-Já sei - exclamou o pequenito.
- Os crescidos não são bons trepadores porque pesam muito. Subamos para um
sítio aonde eles não possam chegar.
- Para onde? - perguntou uma
menina, ainda com a boca suja de migalhas.
- Para o céu! - exclamou o
pequenito.
- Mas... como? - quis saber um
rapaz mais velho.
- Há sempre uma maneira! -
declarou o pequenito ao avistar, naquele preciso momento, uma trepadeira
grande. Tinha o caule cheio de nós salientes; portanto, seria fácil subir por ela.
Pousado na planta estava um beija-flor.
O pequenito segredou algo ao
ouvido do beija-flor e logo a ave pegou numa das pontas da trepadeira e voou
com ela para o céu, prendendo-a no sítio certo.
- Despachem-se! - incitou o
pequenito, começando a subir pela planta, em direção ao céu.
Em breve era seguido por uma
fila de crianças.
Quando as mulheres regressaram à
aldeia com os cestos cheios de farinha, prontas para começar a cozinhar para os
seus homens, não encontraram os filhos. Correram para casa da avó do pequenito
e encontraram-na a chorar pela sua pobre arara.
- Que aconteceu? - perguntou uma
das mulheres.
- Onde estão as crianças todas?
- inquiriu outra, aflita.
Nesse instante, uma delas ainda
viu as pernas da última criança a subir pela trepadeira, antes de desaparecer
no céu.
- Olhem! - gritou a mulher. -
Estão além!
Deitou a correr em direção à
trepadeira, seguida pelas outras mulheres. Em breve tentavam, desesperadamente,
subir pelos nós da planta, a fim de alcançar os filhos.
O pequenito, no entanto, tivera
razão. Os adultos jamais conseguiriam ir atrás deles até àquele lugar. A trepadeira
não aguentou o peso e desprendeu-se do sítio onde o beija-flor a prendera.
Caiu então por terra com um
terrível CRAQUE!, fazendo lembrar uma corda enrolada, e as mulheres, que eram
mães, tias e primas, espojaram-se no meio do chão, em grande choro.
Nesse dia, porém, o solo foi
generoso para elas. Em vez de morrerem todas, pois tombaram de uma grande altura,
ao tocar na terra seca e dura, transformaram-se em diferentes animais. Esta
estranha mistura de criaturas começou então a galopar, correr, rastejar, saltar
e andar por ali fora.
Nessa noite, quando os homens
voltaram da caça, em vez de serem saudados pelo cheiro de petiscos e pela
gritaria dos filhos, não viram ninguém para além da velha.
Com língua ou sem ela, o certo é
que a avó do pequenito ficara completamente muda com o que vira; portanto, nada
disse.
Viam-se alguns animais
esquisitos a deambular por entre as casas, mas os homens não lhes deram
atenção, tão aflitos andavam à procura das mulheres e dos filhos.
- O que lhes terá acontecido? -
perguntou um dos caçadores. - Não há sinais de ataque...
Deve ter havido aqui alguma
bruxaria.
- E o que é aquilo? - exclamou
um outro apontando, admirado, para o céu escuro.
Os homens da aldeia ficaram a
olhar, espantados, para as estranhas luzes que brilhavam no meio da escuridão,
luzes que hoje conhecemos como estrelas.
Depois de a trepadeira
cair, as crianças ficaram para sempre presas no céu. Ainda ali estão e nunca
envelhecem. Às estrelas são os seus olhos a brilhar com as lágrimas que choram
pelas terríveis maldades cometidas.
Fonte: MITOS & LENDAS SUL-AMERICANAS CONTADAS POR PHILIP ARDAGH. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.
2. ECO E NARCISO (Mito grego sobre a origem do fenômeno do eco)
Eco era uma bela ninfa (divindade da natureza) amante dos bosques, onde
se dedicava a distrações campestres. Era a favorita de Diana e acompanhava-a em
suas caçadas. Tinha um defeito, porém: falava demais, e em qualquer conversa ou
discussão queria sempre dizer a última palavra.
Certo dia, Hera (esposa de Zeus) saiu à procura do marido, de quem
desconfiava, pois podia estar divertindo-se com as ninfas. Eco, em sua
conversa, conseguiu entreter a deusa, até que as ninfas fugissem. Percebendo
isso, Hera condenou-a dizendo:
― Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste para uma coisa de
que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas não
poderás falar em primeiro lugar.
A ninfa viu então Narciso, um belo jovem que perseguia a caça na
montanha. Por ocasião de seu nascimento, seus pais consultaram o oráculo para
saber qual seria o destino do menino. A resposta foi que ele teria uma vida
longa, desde que nunca visse a própria face. Muitas ninfas apaixonaram-se por
Narciso quando ele chegou à idade adulta. Mas ele não se interessava por
nenhuma delas.
Eco, desafortunadamente, apaixonou-se por ele e seguiu seus passos.
Quanto desejava dirigir-lhe a palavra, dizer-lhe frases gentis e conquistar seu
afeto! Isso estava fora de seu poder, contudo. Esperou, com impaciência, que
ele falasse primeiro, a fim de que pudesse responder. Certo dia o jovem, tendo se separado dos
companheiros na floresta, gritou bem alto:
― Há alguém aqui?
― Aqui! ― respondeu Eco.
Narciso olhou em torno e, não vendo ninguém, gritou “Vem!”, obtendo de
Eco a mesma palavra como resposta. Perguntou então:
― Por que foges de mim?
Eco respondeu com a mesma pergunta. Narciso sugeriu à voz que ouvia:
― Vamos nos juntar!
A donzela repetiu, com todo o ardor, as mesmas palavras e correu para
junto de Narciso, pronta a se lançar em seus braços.
― Afasta-te de mim! ― exclamou o jovem recuando. ― Prefiro morrer a te
deixar possuir-me.
― Possuir-me. ― disse Eco.
Tudo foi em vão. Narciso fugiu e Eco foi esconder sua vergonha no recesso
dos bosques. Daquele dia em diante, ela passou a viver nas cavernas e entre os
rochedos das montanhas. De pesar, seu corpo definhou, até que as carnes
desapareceram completamente. Os ossos transformaram-se em rochedos e nada mais
dela restou além de sua voz, disposta a responder a quem quer que a chame.
A crueldade de Narciso neste caso não constituiu exceção. Ele desprezou
todas as ninfas, como havia desprezado Eco. Certo dia, uma donzela que tentara
em vão atrair seu amor implorou aos deuses que ele viesse algum dia a saber o
que é amar sem ser correspondido. A deusa da vingança ouviu a prece e
atendeu-a.
Havia uma fonte muito clara, cuja água parecia de prata, mas à qual os
pastores jamais levavam os rebanhos e onde nem as cabras nem os animais da
floresta iam. Narciso um dia ali chegou, induzido pela deusa, fatigado pela
caça e sentindo muito calor e sede. Debruçou-se sobre a fonte e viu o ser mais
belo que já havia contemplado, pensando tratar-se de algum belo espírito das
águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para a perfeição dos traços
da própria imagem: os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os dos mais
belos deuses, a face deslumbrante, o aspecto saudável e cheio de vida do
conjunto. Apaixonou-se imediatamente pela imagem que contemplava, sem supor ser
a sua. Abaixou-se e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem.
Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação.
Narciso esqueceu-se de todo da ideia de alimento ou repouso, debruçado sobre a
fonte, para contemplar a bela imagem. Perguntou ao suposto espírito:
― Por que me desprezas, belo ser?
Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo
não pareces olhar-me com indiferença. Quando estendo os braços, fazes o mesmo,
sorris quanto te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos.
Mas suas lágrimas começaram a cair na água, turvando a imagem. E, ao
vê-la partir, Narciso exclamou, suplicando:
― Fica, peço-te. Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso
tocar-te.
Com essas palavras, e muitas outras semelhantes, Narciso atiçava a chama
que o consumia e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a
beleza, que antes tanto encantaram a ninfa Eco. Esta se mantinha perto dele,
contudo, e quando Narciso gritava se lamentando, ela respondia com as mesmas
palavras. O jovem, depauperado, morreu.
Fonte: O
LIVRO DE OURO DA MITOLOGIA: HISTÓRIAS DE DEUSES E HERÓIS. 34.ed. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2006.
3. MITO DA ORIGEM DO ECLIPSE (Origem desconhecida)
Quando o Sol
e a Lua se encontraram pela
primeira vez, se apaixonaram perdidamente e a partir daí começaram a viver um
grande amor. Acontece que o mundo ainda não existia e no dia que Deus resolveu
criá-lo, deu-lhes então o toque final... o brilho! Ficou decidido também que o Sol iluminaria o dia e que a Lua iluminaria a noite, sendo assim,
seriam obrigados a viverem separados.
Abateu-se sobre eles uma grande tristeza quando tomaram conhecimento de que nunca mais se encontrariam. A Lua foi ficando cada vez mais amargurada, mesmo com o brilho que Deus havia lhe dado, ela foi-se tornando solitária. O Sol por sua vez havia ganho um título de nobreza "ASTRO REI", mas isso também não o fez feliz.
Deus então chamou-os e explicou-lhes:
- "Vocês não devem ficar tristes, ambos agora já possuem um brilho próprio. Você Lua, iluminará as noites frias e quentes, encantará os enamorados e será diversas vezes motivo de poesias. Quanto a você Sol, sustentará esse título porque será o mais importante dos astros, iluminará a terra durante o dia, fornecerá calor para o ser humano e a sua simples presença fará as pessoas mais felizes".
A Lua entristeceu-se muito com seu terrível destino e chorou dias a fio... já o Sol ao vê-la sofrer tanto, decidiu que não poderia deixar-se abater pois teria que dar-lhe forças e ajudá-la a aceitar o que havia sido decidido por Deus.
No entanto sua preocupação era tão grande que resolveu fazer um pedido a Ele:
- "Senhor, ajude a Lua por favor, ela é
mais frágil do que eu, não suportará a solidão...".
E Deus em sua imensa bondade criou então as estrelas para fazerem companhia a ela.
A Lua sempre que está muito triste recorre as estrelas que fazem de tudo para consolá-la, mas quase sempre não conseguem.
Hoje eles vivem assim... separados, o Sol finge que é feliz, a Lua não consegue esconder que é triste. O Sol ainda esquenta de paixão pela Lua e ela ainda vive na escuridão da saudade.
Dizem que a ordem de Deus era que a Lua deveria ser sempre cheia e luminosa, mas ela não consegue isso... porque ela é mulher, e uma mulher tem fases. Quando feliz consegue ser cheia, mas quando infeliz é minguante e quando minguante nem sequer é possível ver o seu brilho.
Lua e Sol seguem seu destino, ele solitário mas forte, ela acompanhada das estrelas, mas fraca. Humanos tentam a todo instante conquistá-la, como se isso fosse possível. Vez por outra alguns deles vão até ela e voltam sempre sozinhos, nenhum deles jamais conseguiu trazê-la até a terra, nenhum deles realmente conseguiu conquistá-la, por mais que achem que sim.
Acontece que Deus decidiu que nenhum amor nesse mundo seria de todo impossível, nem mesmo o da Lua e do Sol... e foi aí então que ele criou o eclipse!
Hoje o Sol e a Lua vivem da espera desse instante, desses raros momentos que lhes foram concedidos e que custam tanto a acontecer.
Quando você olhar para o céu a partir de agora e ver que o Sol encobriu a Lua é porque ele deitou-se sobre ela e começaram a se amar e é ao ato desse amor que se deu o nome de eclipse. Importante lembrar que o brilho do êxtase deles é tão grande que aconselha-se não olhar para o céu nesse momento, seus olhos podem cegar de ver tanto amor.
(Esta história não parece ser um mito original, mas
apresenta as características do gênero. A fonte não foi encontrada.)
4. A ORIGEM DO SOL E DA LUA (Mito indígena da Amazônia)
O Sol tinha acabado de passar
um pouco de curare em suas flechas e
guardava e zarabatana bem à mão, pronto
para atirar das árvores, prestando atenção ao menor movimento das folhas. De
repente, ouviu uma gargalhada que o fez voltar-se. Sem perceber, acabara de
passar por um garoto que estava sentado ao pé de uma árvore com dois magníficos
papagaios.
O Sol se deteve e resolveu
descansar um pouco junto deles. Nem viu o tempo passar, e, quando se deu conta,
o dia já estava acabando. Não conseguia sair
de perto dos dois papagaios que tanto o divertiam.
Assim, propôs ao menino levar os
dois papagaios em troca de seu calar de plumas. O garoto estava muito
preocupado com sua aparência, pois acabara de completar dez anos. Agora já
poderia pintar o corpo com urucum e jenipapo. Seus cabelos acabavam de ser
cortados, e, quando crescessem de novo
ele teria direito de prendê-los ou fazer tranças. Seria um rapazinho...
Já tinha as maçãs do rosto
pintadas. Imaginava-se entrando na
aldeia com aquele cocar de plumas. Aceitou com alegria o oferecimento do Sol e
lá se foi, dançando, em direção à aldeia.
O Sol também estava com pressa, louco para
mostrar a seu amigo Lua os dois
papagaios. O amigo ficou maravilhado com
a beleza e plumagem dos pássaros e se divertiu muito com as palavras engraçadas
que eles diziam. assim, resolveu adotar um deles.
Escolheu o verde de cabeça
amarela e o deixou colocar em sua oca, empoleirado num pedaço de pau que enfiou
no chão.
O Sol também fez um poleiro para seu papagaio e o alimentou
com grãos e sementes de todo tipo.
Na manhã seguinte, os amigos Lua
e Sol foram pescar levaram o arco e a flecha, e também arpões, para o caso de
encontrarem pirarucu, que era o seu peixe favorito, mas dificílimo de pegar. Ao
anoitecer, voltando para casa, estavam muitos cansados e não tiveram forças
para preparar os peixes que haviam
pescado. Deitaram-se nas esteiras e logo dormiram.
Os papagaios pareciam triste por vê-los assim, e naquela noite ficaram em
silêncio. Nos dias que se seguiram, o Sol e seu companheiro Lua não conseguiam
entender por que os papagaios estavam tão tristes. Quando os pegavam nas mãos
para que se empoleirassem nos dedos, tentando ensiná-los a falar, os pássaros
pareciam não mais se divertir.
Mas um dia, ao voltarem da caça,
tiveram uma dupla surpresa. Primeiro, os papagaios foram ao encontro deles,
falando como nunca. Saltitavam de um ombro para outro, como se quisessem cantar
e dançar. Dentro da oca, uma surpresa
ainda maior os aguardavam: junto ao fogo havia duas grandes vasilhas com
cassaripe fumegente! Quem teria
preparado a comida? Eles se sentaram, comeram todo o delicioso pirão e se
deitaram. Mas não conseguiam dormir. Que mistério! Os papagaios os olhavam com um ar divertido. Se pudessem falar, será
que podiam contar o que havia acontecido?
No dia seguinte, quando
foram caçar, os do0is tinham a cabeça
cheia de perguntas sem respostas. Enquanto isso, na oca, acontecia uma cena
estranha.
Os dois papagaios se
transformaram pouco a pouco em duas moças encantadoras, de cabelos longos,
pretos e brilhantes como a noite sob a chuva. Quando a metamorfose se
completou, uma delas se escondeu perto da porta para ver quando os dois amigos
voltavam, enquanto a outra preparava a refeição.
_ Depressa, não temos muito
tempo! Hoje eles disseram que chegariam mais cedo. Temos que acabar antes que
voltem. Quando chegam da caça, eles vêm tão cansados!
E que surpresa tiveram os dois
mais uma vez! Resolveram que, no dia seguinte, voltariam mais cedo e entrariam
escondidos pelos fundos. Dito e feito: deslumbrados com a beleza das duas
moças, apaixonaram-se por elas e
suplicaram que nunca mais se transformassem em papagaios de novo. Fizeram uma grande
festa para celebrar os casamentos. Mas a casa havia ficado pequena demais para
quatro pessoas, e por isso decidiram se revezar para ocupá-la. O Sol e a mulher
escolheram o dia. Lua aceitou a noite. É por isso que nunca vemos o Sol e a Lua
ao mesmo tempo no céu.
Fonte: KUSS,
Daniele. A AMAZÔNIA: MITOS E LENDAS. Tradução Ana Maria Machado. São Paulo:
Ática, 1995. p.12.
5. MITO DA ORIGEM DAS ESTAÇÕES DO ANO (Mito grego)
Zeus ficou
com os céus, Poseidon ficou com os mares e a Hades coube o mundo subterrâneo.
Hades, que
fecha a tríade dos três grandes, é considerado por muitos um deus mau. Não é
bem assim. Muito pior Ares, que incitava as guerras sangrentas e curtia
bastante cuidar pessoalmente da morte de soldados e civis, mandando suas almas
para Hades julgar.
Mas, por
causa de seus domínios, Hades era muito temido pelos mortais sim, afinal
ninguém sabe o que acontecerá conosco após a morte, e este medo também existia
entre os gregos.
Nas
histórias, Hades, como deus supremo do submundo, julgava todas as almas que
vinham a seu encontro. Hades não era a morte em si, ele não ia buscar almas.
Ele apenas as recebia, e presidia o julgamento das mesmas, determinando se
deveriam passar a eternidade pagando pelos seus erros ou se seriam tratados de
forma mais branda. Raramente deixava o mundo das sombras, e quando fazia usava
um elmo que lhe proporcionava invisibilidade. Era um deus discreto e quieto no
canto dele e raramente interferia nos assuntos dos mortais e do Olimpo.
Uma das
poucas vezes que deixou o submundo foi por amor. Um dia observando lá de baixo
a superfície, viu pela primeira vez a filha de sua irmã Deméter a bela e pura
Perséfone, que colhia flores. A jovem e bela deusa, filha de Deméter (deusa da
colheita), se ocupava principalmente da flora. Hades, ao observar sua beleza,
se apaixonou perdidamente e quis fazê-la sua rainha. Foi até Deméter e pediu à
irmã que concedesse a ele a alegria de casar-se com Perséfone. Mas Deméter não
queria este casamento, pois sabia que, uma vez indo para o submundo, Perséfone
não retornaria de lá e ela não poderia mais ver a filha.
Hades, com
seu coração apaixonado, não se deu por vencido e, diante da recusa, esperou que
Perséfone estivesse sozinha e a raptou com sua carruagem sombria levando-a para
o seu reino, o reino dos mortos. Quando Deméter se deu conta do sumiço de sua
filha, começou a procurá-la pelos quatro cantos do mundo, desesperada, até que
descobriu o que aconteceu. Com isso entrou em profunda tristeza, e foi nesse
momento que o mundo conheceu o inverno.
Antes só
existia uma estação do ano, a primavera. As colheitas eram fartas, as matas
verdejantes, e os jardins floridos. E quem mantinha tudo assim era Deméter. Com
o rapto de sua filha, seu coração ficou em pedaços e a tristeza da deusa era
refletida na natureza. Deméter foi até Zeus pedir sua ajuda, mas apesar de ter
se apiedado da irmã, não havia muito que poderia fazer, uma vez que Perséfone
havia comido a romã oferecida por Hades, fruto símbolo do casamento e que
mantinha os dois unidos para sempre.
Como Deméter
estava inconsolável, e com isso a situação dos humanos se tornava cada vez mais
escassa – acabaram-se as colheiras e o mundo estava em um inverno que parecia
não ter fim – Zeus conseguiu um acordo com Hades. Assim chegou-se a um acordo:
Durante seis meses do ano Perséfone ficaria com seu marido no submundo. E
durante os outros seis meses Perséfone passaria junto à mãe.
O período
passado com Deméter corresponde à Primavera e ao verão, e o período passado com
Hades – quando Deméter cai em tristeza novamente – corresponde ao Outono e ao
Inverno.
Ao contrário
do que pode se pensar, apesar de sentir falta do mundo aqui de cima, Perséfone
vive feliz com o marido no submundo. Ela o ama e o respeita e tem a sorte dele
ser o mais fiel dos 3 poderosos irmãos, dois dos quais adoram uma pulada de
cerca.
Mas voltando
a Hades. O deus foi representado nas esculturas sempre muito parecido com Zeus
e Poseidon. Ele não era muito retratado pelos artistas devido ao medo, mas se
justificava também pela sua invisibilidade. Das poucas vezes que foi
representado era como um deus muito sério (um pouco aborrecido), de
cabelos espessos e barba longa como a seus irmãos, mas sem quase
ornamento algum e acompanhado de seu cão de três cabeças, o temido Cérbero.
Este era o cão que protegia os portões do submundo, impedindo que almas
saíssem de lá sem permissão.
http://democraciafashion.com.br/tag/mito-das-estacoes-do-ano/
6. O CASAMENTO DA PRINCESA - MITO SOBRE A ORIGEM DA "GUERRA" ENTRE O FOGO E A CHUVA (Mito africano, do povo Ashanti)
A beleza andava de
mãos dadas com a princesa Abena, pois tinha reunido numa só pessoa um
harmonioso pescoço alongado, um rosto arredondado e seios grandes.
O rei, seu pai,
sorria para si e para o mundo, cada vez que constatava, com os próprios olhos,
a formosura da filha. E por isso acreditava que seria fácil casá-la, quando
chegasse a hora.
A sucessão dos anos
só aumentava a perfeição dos traços de Abena. Além de tudo, ela tinha a ajuda
dos magníficos trajes que usava: sempre envolta nos mais belos tecidos e
vestimentas; sempre adornada com os mais fulgurantes colares e brincos; sempre
emergindo do colorido das roupas, como a mais nova visão da beleza.
A notícia da suprema
graça de Abena circulou pelas tribos, atravessou os mares, subiu aos céus,
correu por toda África tropical. Mas foi só quando os habitantes dos mais
distantes povoados começaram a chegar para ver com seus próprios olhos a
princesa mais linda do mundo, é que chegaram também os pedidos de casamento.
Os primeiros
pretendentes à mão da princesa foram o Fogo e a Chuva.
A chuva surgiu de
repente, meio às escondidas, usando um kente[1]
único, feito da mais pura seda, especialmente para aquela ocasião. Pedir a mão
daquela princesa exigia roupa adequada e padronagem nunca antes vista!
Nem é preciso dizer
que Abena encantou-se logo com os modos do seu primeiro pretendente. O olhar
molhado, o corpo luzidio, as palavras que rolavam feito água cantante, ficaram
ainda mais bonitas nos versos que ele chuviscou nos seus ouvidos:
– O olhar do amor fez
passear o passarinho que assim baixinho, trouxe água do seu bico até o seu
ninho...
E o pretendente
ofereceu ainda mais:
– Linda Abena, olhe para adiante, olhe. Daqui
até as savanas de Burkina Fasso, até as areias do Golfo da Guiné3, até as
plantações do Togo, até as florestas da Costa do Marfim, você não encontrará
ninguém que seja mais poderoso que a Chuva. Com um simples aceno das mãos, faço
crescer as plantações e multiplico as colheitas e as ervas para os rebanhos.
Graças a mim, teremos sempre água pura para beber e rios e lagos cristalinos,
cheinhos de peixes, onde se pode nadar e pescar.
E as palavras da
Chuva soaram tão musicais aos ouvidos de Abena, e seu coração solitário ficou
tão refrescado, que ela acabou prometendo-lhe casamento. E pediu-lhe que
voltasse no outrro dia para acertar os detalhes com o Rei.
Acontece que enquanto
Abena se comprometia com a Chuva, o Rei, na mesma hora, logo ali, em outro
aposento, firmava acordo com o Fogo. Este segundo pretendente tinha também ido
pedir a mão da princesa. E da mesma forma que a Chuva, mostrou-se em trajes
suntuosos e, com finíssimos modos,
apregoou seeu poder:
– Meu Rei, veja por si mesmo. Daqui até as
savanas de Burkina Fasso, até as areias do Golfo da Guiné3, até as plantações
do Togo, até as florestas da Costa do Marfim, não haverá ninguém com maior
vigor que o Fogo. Minhas chamas mantêm os animais perigosos ao longe, cozinham
a comida diariamente, iluminam as intermináveis noites escuras e aquecem o
corpo durante a rigorosa estação do frio. Que mais alguém poderia oferecer à
sua bela filha? Consinta que eu me case com ela!
O Rei ficou tão
impressionado com tal pretendente, e casar a filha durante a colheita do cacau
era decisão antiga, que acabou por aceitar a proposta! Disse que ia comunicar o
trato à princesa e mandou que o Fogo voltasse no dia seguinte, para acertarem
os detalhes.
Mais tarde o Rei
chamou a filha e comunicou-lhe a decisão que havia tomado:
– Encontrei teu
futuro marido!
– Como assim, meu
pai?
– Prometi ao fogo que
se casaria com ele!
– Com o fogo? Mas eu
prometi à Chuva que me casaria com ela!
Estava armada a
confusão! O Rei, preocupado, pôs-se a pensar numa solução para não ter que
faltar com sua palavra. A princesa, por sua vez, não queria trair seu coração.
– Não podemos quebrar
nossas promessas! Sempre foi assim com nosso povo! E assim será! – sentenciou o
rei.
Na manhã seguinte,
mal a claridade do dia luziu no horizonte, lá estavam o Fogo e a Chuva nas
terras do Rei. Vinham certos de que em breve também fariam parte de tudo aquilo
ali, casando-se com a princesa Abena. Mas um não sabia do outro.
O Rei veio recebê-los
e, sem rodeios, disse que já havia decidido a data para o casamento de sua
filha.
– O meu casamento com
ela? – perguntaram o Fogo e a Chuva ao mesmo tempo!
Só então se deram
conta de que alguma coisa estava errada. Mas o Rei apressou-se em dizer:
– A princesa Abena se
casará com o vencedor da corrida que organizei para o dia do casamento!
A notícia espalhou-se
como chuva miúda. A notícia correu como rastro de fogo. Em toda a África
Ocidental não se falava em outra coisa a não ser na tal disputa pela mão da
princesa! Havia os que apostavam no Fogo. Era grande o número dos que torciam
pela Chuva.
Só a princesa Abena
conhecia de antemão o resultado, pois dizia para si mesma que fosse quem fosse
o ganhador da corrida, ela só se casaria com a Chuva. Assim ela havia prometido
desde o início, assim queria o seu enredado coração. Mas esse segredo, que não
podia ser compartilhado com ninguém, fazia-a triste, murchava sua beleza.
Afinal, como ir contra a decisão soberana do próprio pai?
Chegou finalmente o
dia marcado. Era dia de festa e toda a aldeia estava enfeitada para a corrida e
para a cerimônia do casamento. Todos esperavam o resultado final.
O Rei deu a partida e
a Chuva e o Fogo começaram a correr. Os tantãs faziam vibrar a pele do antílope
negro que recobria cada tambor, os chifres e as trombetas espalhavam no ar seus
sons, ora estimulando as torcidas, ora impulsionando os concorrentes. Tudo ao
redor parecia cantar:
“Quero ouvir os
tambores a tocar:
Quero sentir os pés
dos que dançam.
Quero sentir os
tambores a tocar:
Quero ouvir os pés
dos que dançam...”
O Fogo estava
ganhando. Havia no ar um vento que o ajudava a multiplicar as chamas e a
alastrar-se rapidamente. Por mais esforço que fizesse a Chuva, suas gotas eram
insuficientes para colocá-la na frente. Ao contrário, quanto mais vertia água,
mais pesada ficava e mais terreno perdia!
O Fogo foi avançando,
deixando para trás apenas as cinzas do que tocava com todo o seu calor e
potência. Já era quase o vencedor...
Mas no momento da
chegada, ali onde já evoluíam as máscaras rituais e o povo se aglomerava, eis
que o céu lançou um imenso rugido. Um trovão, que ouvido desde as águas do
golfo até as paredes das montanhas, ecoou. No ar. E foi o suficiente para, em
seguida, desabar o maior aguaceiro de que já se teve notícia. Uma cortina de
chuva despencou com a força de uma imensa manada de elefantes correndo pelas
savanas, impedindo qualquer um de ver um palmo diante do nariz. Chuva da
espessura do mundo, rápida, brilhante, quebrando-se nas folhas, fustigando as
pedras, martelando o chão.
O Fogo que avançava
destemido apagou-se a poucos metros da linha de chegada. E a Chuva enfim foi
declarada vencedora!
A princesa Abena,
mais feliz do que nunca, atirou-se de braços abertos sob a água celeste e
bailou como nunca ninguém vira. Seu corpo inteiro comemorava a vitória da
Chuva, inclusive seus olhos. O ritmo dos tantãs, que então batiam mais forte,
obrigou todos que ali estavam a entrar na dança, que se estendeu por
incontáveis noites.
Daquele dia em
diante, o Fogo e a Chuva tornaram-se inimigos mortais. Só uma coisa não teve
jeito: toda vez que chove forte, as pessoas param o que estão fazendo e põem-se
a bailar debaixo da água que cai do Céu, tudo ainda para comemorar o casamento
da princesa.
Conto popular de gana e países da África
Ocidental, recontado por Celso Sisto. Disponível em:
[1]
Traje típico do povo Ashanti.
7. COMO SURGIRAM AS ONDAS DO MAR (conto
da mitologia Iorubá)
Iemanjá havia sido brindada, no começo dos tempos, com o
governo dos mares. Sua alegria não conheceu limites quando entrou na posse do
seu azulado e ilimitado império.
– Tudo azulzinho! Tudo limpinho!
De fato, naqueles primeiros dias, a deusa dos mares mais
parecia uma garota propaganda de sabão em pó, com suas vestes azuis imaculadas,
a percorrer alegremente os seus refrescantes domínios.
Era com um sorriso divertido que ela sentia os peixes
deslizarem-lhe pelo corpo, fazendo cócegas em sua pele. Todo o exército
inumerável de criaturas que compõem o universo marítimo rendia-lhe simpática
vassalagem, incluindo os tubarões e demais criaturas da sua família de
predadores, que não ousavam sequer encostar uma barbatana na soberana dos
mares.
Mas o que agrada mesmo à deusa era a limpeza. Como
gostava de subir aos céus nas costas de um golfinho – o mais alto possível!
“eia, amigo, para cima, para cima!” – e observar, quase das nuvens, o grande
piso anil do mar, sem uma única ruguinha ou sujeirinha!
E assim estiveram as coisas até que, num certo dia
funesto, começou a acontecer uma coisa que antes não acontecia: a poluição dos
mares.
– Que manchinha é aquela lá em cima? – disse ela, num
final radioso de dia, a cavalgar o dorso brilhante do seu golfinho nas profundezas
do mar.
Obediente à sua ama, o peixe agitou suas barbatanas e
cauda, imprimindo uma velocidade vertiginosa ao seu corpo. Iemanjá, inclinada
para frente como um jóquei, agarrava-se ao dorso do animal, curiosíssima de
saber o que se passava lá em cima.
Logo a deusa estava à tona, tomando nas mãos uma porcaria
qualquer.
– Isso não é daqui! – disse ela, pois conhecia toda e
qualquer cacaca dos habitantes do mar.
Com o passar do tempo, a sujeira aumentou. Além das
dejeções, havia também toda espécie de sujeira artificial, como papel.
Furiosa com aquela invasão dos seus domínios, Iemanjá
subiu até o céu para pedir explicações a Olorum, o deus supremo, que, segundo
uma lenda, a ajudara a criar o mundo.
– De onde vem toda essa imundície? – disse ela,
inconformada.
– Daquelas novas e turbulentas criaturas que criei para
habitarem a parte seca do Aiê.
Não demorou nada para a deusa do mar descobrir que se
tratava dos homens.
– E com que direito estas criaturas relaxadas se metem a
jogar suas porcarias para dentro dos meus domínios? – esbravejou a deusa. –
Veja em que estado está meu vestido!
Realmente, o vestido antes imaculadamente azul da deusa
apresentava agora manchas de um tom marrom absolutamente inestético.
– Lave-o, ora. Água é o que não falta não falta no seu
império – disse o deus supremo.
– Água imunda! – disse ela, esquecendo-se das vestes. –
Veja só o estado em que está!
Iemanjá levou, então, o deus supremo para um ligeiro
“tour” aéreo sobre os mares. Do alto puderam ver grandes crostas a sobrenadarem
nas águas.
– Ora, são apenas algumas ilhotas que se formaram! –
disse Olorum, sem querer enxergar a verdade.
– Não são ilhotas coisa nenhuma: é pura imundície!
Os dois desceram e Olorum constatou que as ilhas não
passavam, de fato, de lixo acumulado.
– Diga às suas criaturas de barro que parem de
emporcalhar meus domínios! – intimou a deusa.
Bem, Olorum até que lhes disse que parassem, mas quem não
sabe que advertir os homens e não adverti-los é tudo o mesmo? A emporcalhação
continuou. Todo santo dia, homens e mulheres iam à beira da praia arremessar às
águas, outrora azuis, do mar os seus dejetos e sobras.
Então, a paciência de Iemanjá conheceu seu fim.
– Agora chega!
Tomando nas mãos seu leque de prata chamado abebé,
Iemanjá começou a agitá-lo com tamanha fúria nas profundezas do mar que logo um
grande redemoinho se formou, empurrando grandes massas de água para os lados.
Dali a pouco, não houve uma única praia que não tivesse recebido, nos braços de
gigantescas ondas, todo o seu lixo de volta.
E desde este dia, as ondas não pararam mais de regurgitar
de volta para a terra toda a sujeira que os seres humanos, a despeito do
castigo, teimaram em continuar a lançar para dentro do mar.
Fonte:
FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da mitologia africana. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2011.
FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da mitologia africana. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2011.
8. O DIA EM QUE O ARCO-ÍRIS ESTANCOU A
CHUVA (Conto da mitologia Iorubá)
Quando havia escravidão em nosso
país, milhares de africanos que pertenciam aos povos iorubás
foram caçados e trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos. Assim como outros africanos aqui escravizados, os iorubás, que também são chamados nagôs, trouxeram seus costumes, suas tradições, seus deuses, os orixás. E, até hoje, muitas dessas tradições dos antigos nagôs estão vivas, tanto no Brasil como na própria África. Fazem parte delas as histórias de Ifá.
Ifá, o Adivinho, aquele que conhece todas as histórias já acontecidas e as que ainda vão acontecer,
conta que na antiga África negra, em tempos imemoriais, vivia a mais velha das mulheres, a mais antiga de todas. Ela era tão arcaica que até ajudou Oxalá a criar a humanidade, emprestando-lhe a lama do fundo do lago onde ela vive para que ele moldasse o primeiro ser humano. Apesar de velha, era mulher bela e formosa, era uma deusa, e Nanã era seu nome.Teve dois filhos, um muito bonito, o outro feio.
O filho feio é conhecido pelo nome de Omulu, o outro, o belo, nós o chamamos de Oxumarê.
O príncipe Oxumarê usava roupas vistosas tingidas de todas as cores, que realçavam ainda mais sua beleza e o faziam invejado por todos. Onde quer que fosse, era sempre admirado por sua formosura e pelo luxo de seus trajes. Esse gosto pelas roupas alegres herdara do pai, conhecido como o homem da capa multicolorida. Contam muitas histórias sobre Oxumarê e dizem que ele costuma aparecer ora na forma de uma cobra, ora como o próprio arco-íris enfeitando o céu.
Pois bem, dizem que houve um tempo em que a Terra foi quase destruída pela Chuva. Chovia o tempo todo, o solo ficou todo encharcado, os rios pularam fora de seus leitos, de tanta água.
As plantas e os animais morriam afogados, a umidade e o mofo se alastravam por todos os lugares,
a doença e a morte prosperavam. A chuva é benfazeja, mas não pode durar para sempre, sabia muito bem Oxumarê. Então, o jovem filho de Nanã, que nunca tinha tido simpatia pela Chuva, apontou seu punhal de bronze para o alto e com ele fez um grande corte em arco no céu, ferindo a Chuva e interrompendo sua ação. A Chuva parou de cair e alagar tudo aqui embaixo, e o Sol pôde brilhar de novo, refazendo a vida.
Desde então, quando chove em demasia, Oxumarê risca o céu com seu punhal de bronze
para estancar as águas que caem das alturas.Quando isso acontece, todos podem ver o belo príncipe no céu vestido com suas roupas multicoloridas. Todos podem vê-lo na forma do arco-íris. Na língua africana de Oxumarê, aliás, seu nome quer dizer exatamente isso: o Arco-Íris. Quando não está chovendo, Oxumarê vive na Terra.
Muitos dizem que Oxumarê foi posto no firmamento por sua própria mãe Nanã, a Sábia, para que, de lá do alto, todos pudessem admirar sua beleza. Dizem também que foi por causa de sua formosura
que Oxumarê acabou transformado numa cobra. Tudo porque Xangô, o Trovão, rei da cidade de Oió,
encantou-se com as cores do Arco-Íris. Para poder admirar Oxumarê quando bem quisesse, Xangô planejou aprisioná-lo para sempre. O rei Trovão chamou Oxumarê em seu palácio e, quando o jovem príncipe entrou na sala do trono, os soldados do rei fecharam todas as portas e janelas. O príncipe das cores não podia fugir de Xangô, estava encurralado, preso, impedido de subir ao firmamento.
Oxumarê ficou desesperado. Quem estancaria a Chuva, se ele permanecesse preso? Quem salvaria a humanidade da fúria das águas? uem impediria as enchentes, as enxurradas destruidoras,
as avalanches de terra encharcada? Quem frearia a destruição das colheitas por excesso de água?
Quem livraria o homem da fome, da morte? Oxumarê, o Arco-Íris, implorou a Olorum. Olorum, o Senhor Supremo, ouviu o prisioneiro e, com pena dele, transformou-o numa cobra. A cobra então deslizou pelo chão da sala do palácio e, com facilidade, escapou pela fresta sob a porta.Ficou livre para sempre.
Por isso Oxumarê vive no firmamento e vive no solo. Vive no Céu e na Terra. Ele é ambíguo, é misterioso. Temos medo quando o vemos rastejar pelo chão feito um réptil asqueroso, e nos encantamos com suas cores luxuosas esparramadas em arco no horizonte. Ele é o príncipe-serpente, a cobra que rasga o céu. É o Senhor do Arco-Íris.
foram caçados e trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos. Assim como outros africanos aqui escravizados, os iorubás, que também são chamados nagôs, trouxeram seus costumes, suas tradições, seus deuses, os orixás. E, até hoje, muitas dessas tradições dos antigos nagôs estão vivas, tanto no Brasil como na própria África. Fazem parte delas as histórias de Ifá.
Ifá, o Adivinho, aquele que conhece todas as histórias já acontecidas e as que ainda vão acontecer,
conta que na antiga África negra, em tempos imemoriais, vivia a mais velha das mulheres, a mais antiga de todas. Ela era tão arcaica que até ajudou Oxalá a criar a humanidade, emprestando-lhe a lama do fundo do lago onde ela vive para que ele moldasse o primeiro ser humano. Apesar de velha, era mulher bela e formosa, era uma deusa, e Nanã era seu nome.Teve dois filhos, um muito bonito, o outro feio.
O filho feio é conhecido pelo nome de Omulu, o outro, o belo, nós o chamamos de Oxumarê.
O príncipe Oxumarê usava roupas vistosas tingidas de todas as cores, que realçavam ainda mais sua beleza e o faziam invejado por todos. Onde quer que fosse, era sempre admirado por sua formosura e pelo luxo de seus trajes. Esse gosto pelas roupas alegres herdara do pai, conhecido como o homem da capa multicolorida. Contam muitas histórias sobre Oxumarê e dizem que ele costuma aparecer ora na forma de uma cobra, ora como o próprio arco-íris enfeitando o céu.
Pois bem, dizem que houve um tempo em que a Terra foi quase destruída pela Chuva. Chovia o tempo todo, o solo ficou todo encharcado, os rios pularam fora de seus leitos, de tanta água.
As plantas e os animais morriam afogados, a umidade e o mofo se alastravam por todos os lugares,
a doença e a morte prosperavam. A chuva é benfazeja, mas não pode durar para sempre, sabia muito bem Oxumarê. Então, o jovem filho de Nanã, que nunca tinha tido simpatia pela Chuva, apontou seu punhal de bronze para o alto e com ele fez um grande corte em arco no céu, ferindo a Chuva e interrompendo sua ação. A Chuva parou de cair e alagar tudo aqui embaixo, e o Sol pôde brilhar de novo, refazendo a vida.
Desde então, quando chove em demasia, Oxumarê risca o céu com seu punhal de bronze
para estancar as águas que caem das alturas.Quando isso acontece, todos podem ver o belo príncipe no céu vestido com suas roupas multicoloridas. Todos podem vê-lo na forma do arco-íris. Na língua africana de Oxumarê, aliás, seu nome quer dizer exatamente isso: o Arco-Íris. Quando não está chovendo, Oxumarê vive na Terra.
Muitos dizem que Oxumarê foi posto no firmamento por sua própria mãe Nanã, a Sábia, para que, de lá do alto, todos pudessem admirar sua beleza. Dizem também que foi por causa de sua formosura
que Oxumarê acabou transformado numa cobra. Tudo porque Xangô, o Trovão, rei da cidade de Oió,
encantou-se com as cores do Arco-Íris. Para poder admirar Oxumarê quando bem quisesse, Xangô planejou aprisioná-lo para sempre. O rei Trovão chamou Oxumarê em seu palácio e, quando o jovem príncipe entrou na sala do trono, os soldados do rei fecharam todas as portas e janelas. O príncipe das cores não podia fugir de Xangô, estava encurralado, preso, impedido de subir ao firmamento.
Oxumarê ficou desesperado. Quem estancaria a Chuva, se ele permanecesse preso? Quem salvaria a humanidade da fúria das águas? uem impediria as enchentes, as enxurradas destruidoras,
as avalanches de terra encharcada? Quem frearia a destruição das colheitas por excesso de água?
Quem livraria o homem da fome, da morte? Oxumarê, o Arco-Íris, implorou a Olorum. Olorum, o Senhor Supremo, ouviu o prisioneiro e, com pena dele, transformou-o numa cobra. A cobra então deslizou pelo chão da sala do palácio e, com facilidade, escapou pela fresta sob a porta.Ficou livre para sempre.
Por isso Oxumarê vive no firmamento e vive no solo. Vive no Céu e na Terra. Ele é ambíguo, é misterioso. Temos medo quando o vemos rastejar pelo chão feito um réptil asqueroso, e nos encantamos com suas cores luxuosas esparramadas em arco no horizonte. Ele é o príncipe-serpente, a cobra que rasga o céu. É o Senhor do Arco-Íris.
Fonte: PRANDI,
Reginaldo. Oxumarê, o arco-íris:
mais histórias dos deuses africanos que
vieram para o Brasil com os escravos. São Paulo: Companhia das letrinhas,
2004.
9. MITO INDÍGENA PARA A ORIGEM DA CHUVA
"Os dedos das mãos e dos pés de cem guerreiros é pouco pra mostrar há quantas luas se passou o que vou contar, na beira deste fogo. Tempo. Muito tempo mesmo.
10. O MITO DA CRIAÇÃO DA NOITE
"Os dedos das mãos e dos pés de cem guerreiros é pouco pra mostrar há quantas luas se passou o que vou contar, na beira deste fogo. Tempo. Muito tempo mesmo.
Naquele tempo, começo do mundo, não tinha chuva.
Era só dia e noite, sol e lua e nada mais.
Não tinha bichos, não tinha planta, não tinha árvore, não tinha verde.
Só pedra grandes e rios grandes, no meio das pedras. Nada mais.
Os
homens só comiam os peixes dos rios, que eram muitos. Mas, se não
comiam peixe, morriam de fome porque não tinha outra coisa não.E os
peixes então pularam muito alto e descobriram que no céu tinha água
também, nas nuvens grandes.
Então
eles pularam mais alto ainda e fugiram para as nuvens e foram viver nas
águas que moravam no céu.E os homens, que não tinham mais peixe para
comer, começaram a morrer de fome na terra inteira, em cima das pedras,
na beira dos rios vazios de peixe.
Os peixes olharam lá do céu e viram os homens morrendo e chorando, todos com fome.
E
eles ficaram com pena dos homens e começaram a chorar. As lágrimas dos
peixes aumentaram muito as águas do céu e o céu não pôde mais segurar as
águas.Então as águas do céu caíram em forma de chuva, que molhou as
pedras, que se desmancharam em terra, e as plantas nasceram para dar
comida aos homens.
Mas os peixes sentiram saudade dos rios e começaram a pular de volta para a terra. Os que caíram nos rios continuaram peixes.
Os que caíram fora dos rios viraram animais e pássaros.
E
os homens que tinham agora o que comer, juraram que só pescariam, só
caçariam e só tirariam das árvores o necessário para não morrer de fome.
Por
este respeito que os homens têm pelos rios, pelos animais e pelas
florestas, é que o mundo existe até hoje, pois enquanto o homem não
matar a Natureza, a Natureza não vai deixar o homem morrer de fome"
(conforme relato verbal do índio Puhuy Maxacali, ouvido e transcrito por Luiz Carlos Lemos)
10. O MITO DA CRIAÇÃO DA NOITE
Oi prof, sou eu Manu. Esse mito da estrela, eu posso usá-lo no trabalho de ciências?! E se sim, posso colocá-lo da mesma forma que está aqui ou faço com minhas palavras?! E tem problema s o mito do Sol for egípcio e o da Lua de cultura diferente?!
ResponderExcluirPode usar este, sim. Você pode usar o mito egípcio também. Mas atenção: é para fazer referência a eles no seu texto, e não contá-los por inteiro. Lembre-se que o texto é de divulgação científica!
ResponderExcluir